Codinome: Cova de rejeitos
Como que você grava e produz um disco onde nenhuma música compartilha o mesmo estilo? Como que você constrói um objeto coeso, que pode ser ouvido como uma obra íntegra, onde cada peça tem um formato e textura único dentre as demais? Acho que lá no fundo eu sempre soube que seria difícil, e que eu poderia falhar em atender as expectativas dos outros membros da banda – e as minhas também – mas a excitação de me divertir no processo sempre ofuscou esse receio, mesmo nos momentos em que as coisas pareciam não dar certo de jeito algum.
Desde o meio de 2021 nós já possuíamos ideias suficientes para produzir material para um álbum, mas a banda preferiu ir gravando demos e ir soltando aos poucos. Nós gravamos “Sofá” e “Silêncio do Meu Quarto” (SDMQ) em meio a sessões de ensaio, e a produção dessas demos foi relativamente descoordenada, com praticamente todas as decisões cabendo a mim.


No início de 2022 nós gravamos “Preso Hoje Não” (PHN) e “Pra Ela”, desta vez com um pouco mais de preparo e organização. Dito isto, a produção destas faixas ainda foi realizada de maneira individual e isolada (não achei fotos destas sessões, sinto muito).
Nesse meio tempo nós fomos trabalhando em outras composições e levamos nossas músicas para a rua. Nessa experiência foi possível entender o que funciona ou não no palco, e certamente foi um processo crucial para amadurecer os arranjos que viriam a compor o nosso primeiro disco.
Fizemos uma reunião e decidimos que seriam gravadas oito faixas para o disco. Seriam quatro inéditas, somadas às quatro que já havíamos lançado, rearranjadas neste novo contexto. Não me recordo de muitas sessões de ensaio, as músicas já estavam relativamente prontas.
Nós gravamos a maioria dos takes de guitarra e baixo nos estúdios da escola Music Nation. As sessões começavam por volta das 11h e se estendiam até o finalzinho da tarde, quando alguém tinha que sair para algum compromisso. Nós trabalhamos nessa dinâmica durante alguns sábados e domingos no mês de junho, que era quando o estúdio estava liberado. Era comum eu chegar um pouco antes do horário marcado, e esperar na rua enquanto o pessoal vinha junto de carro. A banda sempre atrasava ao menos meia hora, e eu passava esse tempo ouvindo gravações de celular da gente tocando as músicas no estúdio, pensando em detalhes que poderiam ser gravados – a maioria deles eu esquecia, por falta de anotação…
Vai aí um pack de fotos das sessões:












Foi um dos períodos mais divertidos no processo de produção do disco. A sensação de liberdade artística e o tempo que passei com estes amigos me renderam ótimas recordações. É gostoso trabalhar quando toda a equipe está alinhada com um objetivo em comum.
Nós reaproveitamos grande parte dos takes de “SDMQ”, “Sofá”, “PHN” e “Pra Ela”, e as sessões instrumentais da Music Nation foram complementadas com mais alguns takes na minha casa, principalmente das músicas “Invasor” e “Quarto 20-34”, ilustradas a seguir:



As primeiras sessões de gravação dos vocais foram realizadas em julho de 2022, enquanto o Enzo foi para a gringa. Nos reunimos algumas vezes na casa do Lucas para gravar, e ali surgiram a maioria dos arranjos de segunda e terceira voz, principalmente os das faixas novas: “Invasor”, “Itacoruboys”, “Quarto 20-34” e “Jardim das Lápides”.
Acho que a ficha só foi cair quando eu comecei a pré-mixar os takes, no final de julho. O disco estava totalmente sem pé nem cabeça. Eu não fui tão incisivo durante as gravações, e deixei cada música ser gravada de um jeito. Os takes novos não conversavam muito bem entre si, e não pareciam encaixar com os takes reaproveitados das músicas antigas. Algumas guitarras ficaram sem peso, e o ideal seria gravar double track, mas eu jamais conseguiria reconstruir a captação exata do take original, e tudo teria que ser regravado, sem falar que o guitarrista estava no hemisfério norte.
Eu dei uma geral nas tracks e fomos para o estúdio MangueMix gravar as baterias. A minha esperança estava em reencontrar a coesão musical com essa sessão, já que seria tudo gravado com o mesmo setup. Meu grande amigo Cléo Borges fez um trabalho excepcional em preparar a captação da bateria, e, 6 horas depois, eu saí satisfeito com o resultado.
A gente começou a mixar as coisas na casa do Lucas, com todos da banda presentes e comentando minhas decisões. Foi bom e ruim. Foi bom porque me economizou tempo e estresse. O pessoal deu toques positivos e a gente rapidamente chegou em alguma coisa, mas foi ruim porque era nítido que havia lacunas nos arranjos, e faltava coesão entre as faixas – e eu não tinha onde me esconder, estavam todos vendo (e ouvindo!) aquilo.
De maneira geral, a gente conseguiu ajeitar as coisas de maneira bastante artesanal, e cada faixa exigiu uma abordagem única, mas como dizem: “quem nasce torto nunca se endireita”. Acho que a gente aprendeu a apreciar e unicidade de cada faixa do disco, e, por mais que eu adoraria ouvir uma sonoridade coesa, acredito que o charme do nosso trabalho é justamente isso. Grande parte do feedback positivo que a gente recebeu foi em cima do fato de que cada música parece se encaixar muito bem com diferentes aspectos da vida cotidiana, e eu fico feliz com isso.
A mix final tinha ficado pronta em algum momento entre outubro e dezembro de 2022, mas a gente ainda não tinha a capa do álbum, e as músicas ficaram na geladeira por um tempo. Eu avalio isto como um ponto negativo, porque a banda ficou uns quatro meses ouvindo a master do disco, e a satisfação com o resultado final foi reduzindo a cada dia em que o lançamento não chegava. Em algum momento, o Lucas cansou de ouvir seus próprios vocais e foi sozinho em algum lugar pra regravar múltiplas tracks.
Eu tive que remixar muita coisa, e o pessoal pareceu que ficou ainda mais insatisfeito com o resultado. A capa ficou pronta no meio disso, e de repente era eu quem estava segurando o lançamento. Nós tivemos pouco tempo para processar as novas masters e, ao meu ver, a qualidade final do produto acabou comprometida. Fazendo uma auto-avaliação, eu daria nota 6/10 para a nossa produção, mas isto é passado.
Para fechar, vou fazer um breve depoimento sobre cada faixa, destacando as características que eu mais gostei na produção delas:
“Itacoruboys” – O vocal foi gravado de primeira. O take saiu perfeito. A quantidade ideal de agressividade, assertividade e imposição. A linha de baixo é sensacional e o refrão é totalmente sincopado. O segundo verso tem um dos arranjos que eu mais me diverti de produzir. O solo de guitarra era para ser um único áudio, mas eu encontrei um take do Enzo tocando ele uma oitava abaixo e ficou muito bom de juntar os dois. Eu realmente não me recordo de onde que veio tal take, e eu o encontrei perdido na pasta de áudios de projeto, enquanto eu liberava espaço no HD. Lembro que foi unanimidade quando apresentei para a banda.
“Invasor” – Essa track tem dez faixas de guitarra (sem contar os solos). Eu gosto muito da forma como elas preenchem o espectro de frequências. O trabalho dos backing vocals também foi bem legal. Quase todas as frases têm duas vozes, e o refrão é uma suruba. No refrão final, o Lucas gravou uma voz que sobe a escala de ré menor até alcançar um lá 4 (que a gente nunca conseguiu reproduzir ao vivo L). Ah, o solo de guitarra não tem nenhuma frequência abaixo de uns 250 Hz, e eu gosto muito da sonoridade de rádio FM que ele passa.
“Silêncio do Meu Quarto” – Não tenho muito o que falar dessa música. O compasso 6/8 me agrada bastante e as viradas de bateria são bem livres. O início do segundo verso é o ponto alto do arranjo, com as guitarras saindo para dar espaço para o baixo e a batera – uma ambientação mais intimista, o que combina com a letra, já que o eu-lírico está compartilhando suas fraquezas e segredos. Acho legal que o solo se estende por baixo do refrão final – algo que a gente explora novamente na última faixa do disco.
“Preso Hoje Não” – Eu não sei o que eu fiz com a track de baixo dessa música. Parece que não tem compressão nenhuma nos quatro compassos iniciais. Mas enfim… a bateria do primeiro verso tem o mesmo groove de “Chameleon”, e isso ajuda a manter o som indo para a frente. Os trabalhos vocais foram muito divertidos de gravar, e meu sonho é tocar essa música com um coral. Quem sabe um dia. No geral, é uma track bem despojada e livre. Acho que esse é o poder do groove i-IV em dórico.
“Pra Ela” – Tirem as crianças da sala. Tem gente que odeia a Itacoruboys por causa dessa música, e tem gente que ama por causa dela. São 2 minutos de rock ‘n’ roll clássico. 3 acordes. Letra controversa. Riff. Gritaria. Foi censurada por todas as rádios em que a gente tentou botar no ar.
“Sofá” – É minha música favorita do disco. Gosto de tudo. Cada verso tem um arranjo diferente, os riffs são bacanas, uma guitarra em cada canal stereo (Enzo na esquerda e Dani na direita), o refrão é muito legal (adoro pergunta e resposta) e, quando a música começa a ficar repetitiva demais, a gente sobe o BPM e entra um solo de bateria com walking bass! O interlúdio instrumental ainda conta com algumas improvisações da dupla de guitarras. O refrão final é uma delícia de ouvir e tocar, dá para repeti-lo até o vocalista ficar sem voz, e é uma música muito boa para fechar qualquer show. Eu adoro.
“Quarto 20-34” – Essa música foi a que mais me deu trabalho. Eu era muito inexperiente com o estilo, e a banda queria algo bastante pesado. Eu com certeza não consegui entregar o que a galera tinha em mente, mas se fosse pra gravar hoje, eu certamente aprendi com meus erros, e teria melhores condições de ser bem-sucedido. Dito isso, acho o conceito bacana. Os barulhos que representam o ato de suicídio que tem no final da música foram gravados no meu banheiro. É sempre muito legal o processo de gravar esse tipo de áudio não-instrumental.
“Jardim das Lápides” – Acho que é a música que mais se destoa do álbum. O arranjo vocal é sensacional. Todo mundo cantou com bastante interpretação. O solo de gaita dá um toque bastante único. É a única faixa do álbum com violão. O solo de guitarra fui eu quem compôs, e o Enzo foi cirúrgico na execução. Acho que eu não faria nada diferente.
Bom, é isto, fico feliz por você ter lido até aqui!

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